Marcelo Lemos
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” – João 3.16.
O texto acima tem sido freqüentemente utilizado contra as antigas Doutrinas da Graça. Comumente se alega que doutrinas como a da Eleição Incondicional, por exemplo, não podem ser verdadeiras, já que Deus “amou o mundo de tal maneira”. Se Deus amou o mundo, alegam, não pode ter amado salvificamente apenas os eleitos. Somam a este argumento uma interpretação descontextualizada para a afirmação “para que todo aquele que nele crê”; vendo nela uma prova para a suposta capacidade humana para agradar a Deus.
O homem, todavia, não tem nenhuma capacidade para se fazer agradável a Deus; nem o termo ‘mundo’ presente no versículo serve para negar a doutrina da Eleição Incondicional. A impressão contrária nasce apenas devido ao costume de muitos em isolar este versículo do restante do contexto.
Jesus está conversando com Nicodemos, um grande especialista em religião judaica. Além disso, Nicodemos é também um homem que nutre sincera simpatia por Cristo, v. 2. Porém, este homem ouve uma dura advertência da boca do Senhor:“Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (v.3). Jesus é extremamente descortês com Nicodemos: claramente seu objetivo é sacudir as bases humanísticas da religião adotada até então pelo mesmo. É possível que Nicodemos esperasse ser elogiado pelo Senhor, afinal, mesmo sendo um dos chefes da religião judaica, era capaz de admitir que os sinais operados por aquele humilde Galileu significavam algo mais. Mas, para sua surpresa, Jesus simplesmente ignora o testemunho externo de Nicodemos, e o confronta com algo muito mais importante e profundo: a necessidade de nascer de novo!
Nicodemos pôde perceber que havia algo de especial em Jesus; do mesmo modo que muitos hoje em dia possuem uma impressão muito positiva sobre Cristo. Porém, tal impressão, que poderia até mesmo gerar uma confissão de fé externa, não era suficiente para Jesus. Tal convicção externa deveria ser traduzida em convicção interna, em novo nascimento, em fé genuína na pessoa e na obra do Senhor.
Nicodemos não fazia a menor idéia do que Jesus estava falando: “Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?” – ele pergunta abismado. Há um detalhe na reação de Nicodemos que passa despercebido para muitos leitores. Nicodemos interpreta a figura utilizada por Jesus de modo literal, fugindo do real ensino pretendido. Mas, conforme nos ensinam diversos comentaristas, tal figura de linguagem não era estranho à própria religião judaica. De fato, ‘novo nascimento’ era a forma como os judeus denominavam a conversão de um prosélito, que abandonava o paganismo para abraçar a religião de Moisés.
Foi o preconceito racial que impediu Nicodemos de compreender corretamente a religião de Jesus Cristo. Para Nicodemos era impensável que um judeu, que se via “filho de Deus” por nascimento, precisasse, assim como os gentios, de um novo nascimento. Tal possibilidade sequer passou por sua cabeça, de modo que sua única opção foi interpretar a figura utilizada por Jesus literalmente – por mais absurda que tal opção fosse!
Nicodemos estava tão sinceramente surpreso com a exigência feita por Jesus, que o Senhor imediatamente passa a esclarecer o assunto:
Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de ter dito: Necessário vos é nascer de novo. O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito – João 3.5-8.
“O que nasceu da carne, é apenas carne, Nicodemos” – explicou Jesus. Sua origem judaica, sua circuncisão, sua rigidez cerimonial, nem qualquer outro mérito humano, lhe poderão conceder o status de filho de Deus. Carne é apenas o que é, carne! Não importa se você, Nicodemos, é judeu ou gentio; carne só pode dar origem a carne. Apenas o Espírito pode gerar filhos espirituais a Deus, portanto, não fique surpreso por eu lhe dizer que te é necessário nascer de novo!
Nicodemos vivia e pregava uma religião matemática e previsível. O judaísmo tinha sua própria formula para se ganhar o favor de Deus: ser descendente de Abraão; ser circuncidado; obedecer às cerimônias mosaicas. Eles encaixotaram Deus, e a salvação por ele ofertada. Mas, não era este o ensino da religião de Jesus: “o vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito”.
Nicodemos vivia e pregava uma religião que pretendia controlar o vento. Porém, ensina Jesus, podemos até ouvir o som do vento, mas não podemos controlar de onde ele vem, nem para onde ele vai. O vento é soberano, e eficaz – não precisa da nossa autorização, nem pode ser resistido. O vento assopra. Ponto final.
Infelizmente muitos vão a João 3.16 procurando identificar ali a causa da salvação, e não a prova e a certeza dela. De fato, o versículo 16 não nos fala diretamente sobre a causa da salvação do pecador, mas sobre aquilo que comprova sua realidade, eassegura o seu resultado. Todo aquele que tem fé em Jesus Cristo, em qualquer lugar do mundo, sendo ou não judeu, não perecerá, mas terá a vida eterna. Uma vida que não pode perecer jamais, isto está assegurada a todos os homens que depositam sua fé em Cristo, independentemente de sua nacionalidade.
Mas, afinal de contas, qual a causa primeira da salvação destes crentes? Jesus já falou sobre ela nos versículos anteriores. Segundo ele, não está nos méritos, nas capacidades ou nos supostos ‘direitos’ naturais do homem. Então, onde está acausa? A resposta de Cristo é definitiva e inquestionável:
“O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito”.
Pense nisso, e creia no Evangelho.
Paz e bem!
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