Levar a Cruz para o cristão e o castigo, diferem numa porção de maneiras importantes. Geralmente se consideram iguais as duas idéias, e as palavras que as encarnam são empregadas uma pela outra. Há, porém, aguda distinção entre elas. Quando as confundimos, não estamos pensando com precisão; e quando não pensamos com precisão acerca da verdade, perdemos algum benefício que doutra forma poderíamos usufruir.
A cruz e a vara aparecem juntas nas Escrituras Sagradas, mas não são a mesma coisa. A vara é imposta sem o consentimento daquele que sofre. A cruz não pode ser imposta por outrem. Mesmo Cristo suportou a cruz por livre escolha. Da vida derramada por Ele na cruz, disse Jesus: "Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou" (Jo 10.18). Ele teve todas as oportunidades para escapar da cruz, mas firmou em Seu semblante a rija resolução de ir para Jerusalém e lá morrer. A única compulsão experimentada por Ele foi a compulsão do amor.
O castigo é um ato de Deus; levar a cruz é uma ação do cristão. Quando Deus com amor baixa a vara nas costas dos Seus filhos, não pede permissão. Para o crente, o castigo não é voluntário, exceto no sentido de que está resolvido a fazer a vontade de Deus, ciente de que a vontade de Deus inclui castigo. "Porque o Senhor corrige a quem ama, e açoita o todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como a filhos); pois, que filho há a quem o pai não corrige" (Hb 12.6,7).
A cruz nunca vem sem ser solicitada; a vara sempre vem assim. "Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me" (Mar 8.34). Eis aí uma escolha clara e inteligente, que o indivíduo deve fazer com determinação e previdência. No reino de Deus ninguém jamais tropeçou na cruz.
Mas o que é a cruz para o cristão? Obviamente não é a peça de madeira que os romanos usavam para executar a sentença de morte em pessoas culpadas de crimes capitais. A cruz é o sofrimento que o cristão padece em conseqüência do fato de seguir a Cristo com perfeita obediência. Cristo escolheu a cruz ao escolher o caminho que levava a ela; e assim é com os Seus seguidores. No caminho da obediência ergue-se a cruz,e tomamos a cruz quando entramos nesse caminho.
Como a cruz se ergue no caminho da obediência, assim o castigo se acha no caminho da desobediência. Deus jamais castiga um filho perfeitamente obediente. Considere os nossos pais segundo a carne; eles nunca nos puniram por obediência, mas, sim, por desobediência.
Quando sentimos a dor causada pela vara, podemos estar seguros de que saímos temporariamente do caminho certo. Inversamente,a dor proveniente da cruz significa que permanecemos no caminho. Mas o amor do Pai não é nem mais nem menos, onde quer que estejamos. Deus nos castiga, não para que possa amar-nos, mas porque nos ama. Numa casa bem dirigida, um filho desobediente pode esperar castigo; na família de Deus, nenhum cristão negligente pode ter esperança de escapar dele.
Entretanto, como podemos dizer em determinada situação, se a nossa dor vem da cruz ou da vara? Dor é dor, venha donde vier. Jonas, fugindo da vontade de Deus, não sofreu pior tempestade que Paulo, que se achava no centro da vontade de Deus; o mesmo mar furioso ameaçou a vida de ambos. E Daniel na cova dos leões esteve em dificuldade tão grave como Jonas no ventre da baleia. Os cravos ferem tão fundo as mãos de Cristo a morrer pelos pecados do mundo, como as mãos dos dois ladrões que morrem por seus próprios pecados. Então, como podemos distinguir da vara a cruz?
Penso que a resposta é clara. Quando chega a tribulação, basta ver se é imposta ou escolhida. "Bem-aventurados sois", disse o Senhor, "quando, por minha causa, vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós" (Mt 5.11). Note que Jesus especifica: "mentindo, disserem todo mal contra vós". Estas palavras mostram que o sofrimento deve sobrevir voluntariamente, deve estar dentro da nossa escolha maior, de Cristo e da justiça. Se a acusação que os homens gritam contra nós for verdadeira, não se lhe seguirá nenhuma bem-aventurança.
Iludimo-nos a nós mesmos quando fazemos dos justos castigos que recebemos uma cruz, e nos regozijamos por aquilo de que, ao contrário, deveríamos arrepender-nos. "Pois, que glória há, se, pecando e sendo esbofeteados por isso, e suportais com paciência? Se, entretanto, quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus" (1Pe 2.20). A cruz está sempre no caminho da justiça. Somente sentimos a dor que vem da cruz quando sofremos por causa de Cristo e por nossa escolha voluntária.
Creio que há também outra espécie de sofrimento que não se enquadra em nenhuma das categorias acima consideradas. Não provém da vara nem da cruz, e não é imposto como um corretivo moral, nem é resultado da nossa vida de testemunho cristão. Ele vem no curso da natureza e surge dos muitos males herdados pela carne. Visita igualmente a todos, em maior ou menor grau, e não parece ter qualquer significado espiritual. Sua causa pode ser fogo, enchente, perda, ferimentos, acidentes, enfermidades, velhice, fadiga ou, em termos gerais, as conturbadas condições do mundo. Que fazer a respeito?
Bem, algumas grandes almas têm conseguido tornar até mesmo estas aflições moralmente neutras em bem. Orando e humilhando-se, rogaram à adversidade que se fizesse sua amiga, e transformaram o rude pesar num mestre capaz de instruí-las nas artes celestiais. Não podemos imitá-las????
Fonte: [Josemar Bessa]
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