31 de mai. de 2011

Porque amo a Igreja

Por Igor Miguel

Em tempos quando muita gente anda insatisfeito com suas igrejas e comunidades locais, acho que sigo a contramão da tendência. Ando aos amores pela Igreja e por expressões comunitárias de culto e especificamente por minha Igreja Local. Não somente eu, minha esposa anda as voltas pela experiência comunitária também, nada que boa doutrina e leitura não façam.

Vivo dias de suspiro por esta comunidade que chamam Igreja, e não me refiro aqui à Igreja Invisível. Refiro-me a algo bem visível, concreto e humano, refiro-me à Igreja Local, com endereço físico, com estrutura litúrgica formalmente organizada, com pastor, com canções, salmos, pregação, ceia, ofertório e confissão de fé. Dirijo minha gratidão a Deus por àquelas pessoas, com corações fixos em cada música, cada partícula de pão mastigado e o gosto cítrico do vinho da ceia. A comunidade que entoa junto cânticos de gratidão, que não exalta nada além da grandeza do Deus criador, que se revelou redentor em Jesus Cristo.

Sim, desde o livro de James K.A. Smith, Desiring the Kingdom, tenho procurado viver uma espiritualidade na comunidade, por isto, menos individualista, intimista e pietista. Eis o motivo de alguns textos aqui escritos sobre orações, a docilidade da vida comunitária e outras gotas de louvor e gratidão por tudo que tenho aprendido.

Mas, de verdade, o livro de Kevin DeYoung & Ted Kluck, intitulado "Por que amamos a Igreja", me surpreendeu por sua simplicidade e objetividade ao apresentar a possibilidade amarmos a Igreja Local novamente. Em dias em que todo mundo quer dar uma resposta à "crise evangélica", encontramos boas opiniões a respeito, mas também péssimas soluções.

Muitas das "soluções" ou são pós-modernas de mais, como o caso do movimento "Igreja Emergente", ou primitivistas de mais, como o caso do restauracionismo judaizante que insiste no dualismo "Jerusalém x Roma" como a tensão, quando na verdade a crise da Igreja evangélica está em sua rejeição a algo muito mais simples: O EVANGELHO (JESUS CRISTO).

Entre primitivistas, encontramos também soluções radicais, como a galera que quer "desinstitucionalizar" a Igreja, sustentado que estruturas formais de organização eclesiásticas são um problema para a "espiritualidade". Pura abobrinha.

A Igreja se visibiliza na reunião formal do santos, e certamente, onde os santos se reúnem, existirão viúvas, crianças, missões, discipulado, horário de reunião, coletas e por aí vai. Impossível que esta estrutura se mantenha sem uma mínima organização institucional. Entretanto, a instituição serve à Igreja, e não o contrário. Só este detalhe que falha as vezes, e por esta falha, já assumem a filosofia "nós vamos quebrar tudo" e voltar pra Jerusalém, pra Igreja Primitiva... (aff...). Voltemos ao evangelho, Jesus Cristo é mais que suficiente, foi Ele mesmo, a causa primeira e última de todas as reformas, curas e renovações da história da Igreja.

Cito Bob Kauflin, citado por Kevin DeYoung, cantor cristão que assumiu seu orgulho:
"Durante anos, considerei as tradições religiosas como um impedimento à espiritualidade bíblica. Associava orações repetidas, recitação conjunta dos credos, confissão pública do pecado, leitura das Escrituras, calendário litúrgico e ordens de culto a legalismo e servidão. Propus-me a repensar a adoração coletiva a partir do zero. Buscaria apenas as Escrituras e não dependeria de nada que as pessoas tivessem feito nos séculos anteriores. Achei que estava sendo original. Na verdade, estava sendo apenas ignorante -- e orgulhoso." (DeYoung, p. 121).
Muita gente anda decepcionada com a Igreja Local, alguns com motivos, outros por transferência psicológica, ou por um idealismo quase platônico de Igreja. Idealismo refletido em um modelo de "Igreja Apostólica Pura". Pura? A Igreja do I Século era cheia de problemas identitários, tensões apostólicas, incursões heréticas de movimentos pré-gnósticos, judaizante etc. Muitos já resolvidos pelo consenso comunitário da Igreja. Deus nos livre de um retorno a problemas já resolvidos.

No idealismo, esquecemos, que a Igreja continua caminhando, e por isso é uma Igreja no tempo e na história. Temo, que no desejo de uma Igreja Ideal, esquecemos de amar a Igreja Real, aquela que temos agora. Preocupação que compartilho com o grande mártir cristão moderno Dietrich Bonhoeffer que afirmou certa vez:
"Qualquer um que amar mais o sonho da comunidade que a comunidade cristã em si (com todos os seus defeitos) torna-se destruidor desta, ainda que a devoção àquela seja impecável e suas intenções sejam extremamente honestas, sérias e sacrificiais."
A Igreja tem pecadores igual lá fora dela (o mundo), talvez com uma diferença: na Igreja você encontrará pecadores assumidamente pecadores, por isso, dentre eles, vários arrependidos. Arrependidos, que se voltaram para Cristo e seu evangelho, encontrando cura para suas vidas em uma caminhada de progressivo crescimento espiritual rumo a consumação desta magnífica salvação.

Então vou resumir a opera: amo viver em Igreja. Quando muitos querem viver na "Igreja Cristo em Casa", eu quero viver Cristo com outros. Quero estapear meu individualismo me expondo e olhando para os rostos. Quero me arriscar, me lançar aos olhares alheios, as vezes amorosos, as vezes nem tanto.

Mas... é bom, bom de mais segurar o pão da ceia e olhar pra ele e saber que é um pedaço do mesmo pão que minha comunidade segura simultaneamente. Muito bom recitar confissões cristãs milenares junto com minha comunidade ao final do culto, aquelas que afirmam claramente o senhorio, missão universal e divindade de Jesus. É muito bom ouvir um sermão bem preparado por meu pastor. Há! Pastor... bem lembrado.

Pois é, enquanto todo mundo corre de pastor, eu amor ser pastoreado. Dizia ao amigo Aender Borba: descobri que mais do que querer ser um pastor (coisa que não sou), vivi estes 1/3 de minha vida procurando ser bem pastoreado. Ufa! Como tenho aprendido meu pastor.

Então, enquanto muitos correm da Igreja Local, eu corro pra lá. O lugar onde recitamos salmos, cânticos espirituais, bebemos da doutrina apostólica, da suficiência e centralidade de Jesus Cristo. Uma comunidade onde ninguém é exaltado, nem nossa comunidade e nossa visão comunal é exaltada, apenas Jesus. Pois nEle, por Ele para Ele são todas as coisas (Rm 11:36).

Infelizmente, as vezes o que encontramos é compensação afetiva disfarçada de falso vínculo religioso. Falsa comunhão, fruto de uma unidade sentimental desprovida da iluminação de Cristo. Convívio social travestido de espiritualidade. Na verdade, relacionamento recreativo retroalimentado por orgulho e narcisismo. Se Cristo não for o núcleo de nossa vida comunitária, esquece, é clube, mas não é Igreja.

Enfim, a Igreja Invisível, universal, não-institucional, santa e sem mácula, se visibiliza na Igreja Local, com seus dilemas e virtudes (não muito diferente das Igreja exortadas por Cristo em Apocalipse), mas ainda amadas por Cristo, e por isso, dignas de seu amor e severidade. Se Cristo ama a Igreja, certamente também a amo.

28 de mai. de 2011

As Coisas Pequenas


Charles Haddon Spurgeon
Charles Haddon Spurgeon
C.H. Spurgeon (1834-1892) era pregador, autor e editor britânico. Foi pastor do Tabernáculo Batista Metropolitano, em Londres, desde 1861 até a data de sua morte. Fundou um seminário, um orfanato e editou uma revista mensal chamada “Sword na Trowel”. Conhecido como “Príncipe dos Pregadores”, Spurgeon escreveu muitos livros e artigos, particularmente na área devocional. Deixou um legado de vida piedosa, marcada por um profundo amor ao Senhor Jesus Cristo e por dedicados esforços ara alcançar almas perdidas.


Somos incapazes de realizar o mais humilde ato da vida cristã, se não recebemos de Deus o vigor do Espírito Santo. Com certeza, meus irmãos, é nestas COISAS PEQUENAS que geralmente percebemos, acima de tudo, a nossa fraqueza. Pedro foi capaz de andar sobre a água, mas não pôde suportar a acusação de uma criada. Jó suportou a perda de todas as coisas, porém as palavras censuradoras de seus falsos amigos (embora fossem apenas palavras) fizeram-no falar mais amargamente do que todas as outras aflições juntas. Jonas disse que tinha razão em ficar irado, até à morte, A RESPEITO DE UMA PLANTA.
Você não tem ouvido, com certa freqüência, que homens poderosos, sobreviventes de muitas batalhas, foram mortos por um acidente trivial? John Newton disse: “A graça de Deus é tão necessária para criar no crente a atitude correta diante da quebra de uma louça valiosa como diante da morte de um parente querido”. Estes pequenos vazamentos precisam dos mais cuidadosos tampões. Nas coisas pequenas, bem como nas coisas grandes, o justo tem de viver pela fé!
Crente, você não é suficiente para nada! Sem a graça de Deus, não pode fazer coisa alguma. Nossa força é fraqueza — fraqueza até para as coisas pequenas; fraqueza para as situações fáceis, bem como para as complexas; fraqueza nas gotas de tristeza, como também nos oceanos de aflição. Aprenda bem o que nosso Senhor disse aos seus discípulos: “Sem mim nada podeis fazer” (João 15.5).
Fonte: [Blog Fiel]

26 de mai. de 2011

Ninguém tem Direito a Salvação – Abraham Booth (1734-1806)


Humildade para com os nossos semelhantes, amor e gratidão para com Deus — são estes os frutos de uma compreensão da graça discriminativa de Deus. A eleição, portanto, influencia-nos para nos tornar melhores crentes.

Ao mesmo tempo, por mais cheia de auxílio que esta verdade possa parecer àqueles que já são crentes, será que ela não vai desencorajar os que ainda não o são? Os que buscam tornar-se crentes poderão argüir: "Se eu não estiver entre os eleitos de Deus, então não importa o quanto eu deseje ser salvo, pois jamais o serei".

Este pode parecer um argumento plausível, mas na verdade é um grande erro. Deixe-me ilustrar o que quero dizer. Suponhamos que um alimento é repentinamente apresentado a um homem faminto. Teria sentido ele dizer: "Não sei se Deus pretende que eu seja alimentado por este determinado alimento. Por isso, não importa o quanto eu o deseje, não posso comê-lo". Não seria muito mais sensato dizer: "Tenho um forte apetite. O alimento é o meio de satisfazer o meu apetite. Portanto, eu comerei este alimento".

Ora, Cristo é o pão da vida, o alimento das nossas almas. Este alimento celestial é provido pela graça oferecida no evangelho, e livremente apresentado a todos os que têm fome, sem exceção. Que tem de fazer, então, o pecador espiritualmente despertado senão, sendo habilitado pelo Senhor, tomar, comer e viver para sempre? Os pecadores não são encorajados a crer em Jesus em troca de saberem que são eleitos. Não, as novas da misericórdia de Deus são dirigidas aos pecadores considerados como prontos para perecerem.

Todos, sem exceção, que conhecem sua situação perigosa e sentem sua incapacidade, são convidados, sem demora, a aceitarem as bênçãos espirituais, antes mesmo de pensarem a respeito de sua eleição. Assim, esta verdade não deve aterrorizar um despertado ou qualquer pessoa que tenha consciência de seu pecado. Os que estão indiferentes a respeito de suas almas, ou têm elevada opinião sobre sua própria bondade, de qualquer maneira jamais se incomodarão com a eleição!

No entanto, não poderia alguém dizer: "Se eu estou entre os eleitos, então necessariamente serei salvo, não importa como eu me comporte". Por acaso este ensino das Escrituras referente à graça discriminativa não encoraja o crente  a viver descuidadamente?

Às vezes, você pode encontrar pessoas que dizem crer na eleição e cujas vidas são cheias de impiedade. Tais pessoas, porém, estão enganando a si mesmas. A eleição não significa meramente que um certo número de pessoas irá, seguramente, para o céu. A razão da eleição é que o povo de Deus fosse santo e irrepreensível diante dEle (Ef. 1:4), ou seja, á eleição significa que um certo número de santos alcançará o céu.

Deus não indicou apenas o lugar (o céu) para onde os eleitos irão, porém, mostrou também o caminho pelo qual eles chegarão lá, Paulo escreve: "Devemos sempre dar graças a Deus... por vos ter elegido desde o princípio, para a salvação, pela santificação do Espírito, e fé na verdade" (2 Tess. 2:13). Assim, uma parte essencial da experiência espiritual dos eleitos deve ser a "santificação" e a "fé na verdade". Onde estes elementos não estiverem presentes, não há eleição.

Há um outro argumento semelhante a este último, o qual se costuma apresentar contra a verdade da eleição. É o seguinte: qual é a utilidade da pregação, da oração e da auto-negação? Se os eleitos já estão certamente escolhidos, não há necessidade destas coisas. A resposta a este argumento é a mesma que demos ao argumento anterior, ou seja, Deus usa deliberadamente a pregação, a oração e a autonegação para efetuar aquele viver santo para o qual Ele escolheu o Seu povo. Posso mostrar o absurdo desse argumento por meio de outra ilustração.

Vamos concordar que há um Deus que governa todos os nossos negócios humanos por Sua providência. Se Ele planejou tudo aquilo que fará, então a objeção de que "se alguém é eleito, esse alguém não precisa ser santo", também se aplica a todos os negócios da vida diária. Se Deus planejou todos os negócios humanos, então quer com saúde ou doentes, quer bem sucedidos ou falhos em nossos negócios, quer habilidosos ou não na execução de nossas tarefas, tudo é governado pela providência.

Contudo, quem será tão insensato para dizer: "Não importa se eu como, durmo ou estudo, desde que as circunstâncias de minha vida já foram determinadas pela providência!" Uma vez que não raciocinamos tão absurdamente em relação aos afazeres de nossa vida natural, por que o faríamos em relação aos interesses de nossa vida espiritual?

O perfeito conhecimento de Deus inclui todos os detalhes de nossas vidas, tanto quanto o nosso destino final. Não podemos separar os pormenores do fim. Deus prevê que chegarão aos céus somente aqueles que, segundo Sua previsão, se tornam santos por esforço espiritual diário; e ninguém Ele prevê no inferno, exceto aqueles pecadores que diariamente rejeitam Sua verdade.

Alguns, porém, acrescentam o argumento: "Este ensino torna Deus injusto, desde que Ele é misericordioso para com alguns e não para com todos. Deus Se tornou desleal". Eu respondo: a injustiça só pode estar presente quando a recompensa proveniente de um compromisso assumido, deixa de ser dada. Se um magistrado aplica a lei rigorosamente, no caso de um pobre e, indulgentemente, no caso de um rico, ele é injusto. Todavia, se ele como um benfeitor é generoso para com os necessitados entre seus vizinhos, nunca diríamos que é obrigado a ser generoso para com todos os necessitados. Isto seria impertinência de nossa parte!

Se é apenas um problema de doação graciosa, não pode haver injustiça — mesmo que todos não recebam. E isto é ainda mais verdadeiro com relação a Deus, pois Ele é o Criador que tem o direito absoluto de fazer o que quiser com o que é Seu — e Sua natureza perfeita nos assegura que Ele nada faz de errado.

Deixe-me perguntar-te: todos os homens pecaram ou não? Se pecaram, então todos são culpados perante Deus. Se admitimos isso, então mesmo que todos perecessem Deus seria justo. E a eleição de alguns para a salvação não causa dano aos não eleitos. Assim, a "não-eleição" não é uma punição injusta.

Dizer que Deus não pode deixar ninguém perder-se, é dizer que todos têm direito à salvação. No entanto, ninguém tem direito à salvação. Ela é somente pela graça.

A verdade é que o argumento "Deus é injusto ao eleger alguns e não todos", procede da auto-estima que nós, erradamente, temos de nós mesmos e da visão míope que temos de Deus. Será o altíssimo e sublime Deus tão limitado que não possa fazer o que Lhe agrada?
Deixe-me, agora, mostrar-te o valor real e prático da eleição para nós. Primeiro, a verdade tem algo a dizer ao pecador descuidado. Você já viu que todos são culpados aos olhos de Deus, e que Ele escolheu alguns para a salvação, deixando outros sofrerem as justas conseqüências de seus pecados.

Como você pode saber que este não é o teu caso! Ser rejeitado por Deus é estar perdido para sempre. Você ainda está desinteressado? Ora, você está nas mãos de um Deus ofendido e, contudo, não tem idéia certa daquilo que Ele fará contigo! Se você teme a possibilidade do inferno, deve saber que é exatamente isso que merece. Você tem boas razões para tremer. Medite sobre estes fatos terríveis! Que o Senhor possa ajudar-te a "fugir da ira vindoura" (Mat. 3:7). 

Fonte: [Josemar Bessa]

24 de mai. de 2011

A Experiência da Presença de Deus – M. Lloyd-Jones


Precisamos dar-nos conta de que estamos na presença de Deus. Que significa isso? Significa a percepção de algo de quem Deus é e do que Ele é. Antes de começar a proferir palavras, devemos sempre  proceder assim.

Devemos dizer-nos a nós mesmos: «Estou entrando agora na sala de audiências daquele Deus, o Todo-poderoso, o absoluto, o eterno e grande Deus, com todo o Seu poder, força e majestade, aquele Deus que é fogo consumidor, aquele Deus que é luz, e não há nele treva nenhuma, aquele perfeito, absoluto e Santo Deus.

É isso que estou fazendo» . . . Mas, acima de tudo, nosso Senhor insiste em que devemos aperceber-nos de que, além de tudo aquilo, Ele é nosso Pai. Oh, que compreendamos essa verdade! Se tão-somente entendêssemos que este Deus onipotente é nosso Pai mediante o Senhor Jesus Cristo! Se tão-somente compreendêssemos que . . .toda vez que oramos é como um filho dirigindo-se a seu pai! Ele sabe todas as coisas que nos dizem respeito; Ele conhece cada uma de nossas necessidades antes que Lhas contemos.

Ele deseja abençoar-nos muitíssimo mais do que desejamos ser abençoados. Ele tem opinião formada a nosso respeito, Ele tem um plano e um programa para nós, Ele tem uma ambição a favor de nós, digo-o com reverência, uma inspiração que transcende o nosso mais elevado pensamento e imaginação. . .

Ele cuida de nós. Ele já contou os cabelos de nossa cabeça. Ele disse que nada nos pode suceder fora dEle. Depois, é preciso que lembremos o que Paulo declara tão gloriosamente em Efésios 3. Ele é «poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos,, ou pensamos». Esse é o verdadeiro conceito da oração, diz. Cristo. Não se trata de ir fazer girar a roda de orações.

Não basta contar as contas. Não diga: «Devo passar horas em oração; decidi-me a fazê-lo e tenho que fazê-lo»  Temos que despojar-nos dessa noção matemática da oração. O que devemos fazer, antes de tudo, é dar-nos conta de quem é Deus, do que Ele é, e de nossa relação com Ele.

Studies in the Sermon on the Mount, ii, p. 30,1.

Fonte: [Martyn Lloyd-Jones]

20 de mai. de 2011

Os Pobres de espírito (Mt 5. 3) - John Stott



O Velho Testamento fornece os antecedentes necessários para a interpretação desta bem-aventurança. No princípio, ser "pobre" significava passar necessidades literalmente materiais. Mas, gradualmente, porque os necessitados não tinham outro refúgio a não ser Deus,  a "pobreza" recebeu nuances espirituais e passou a ser identificada como uma hu¬milde dependência de Deus. Por isso o salmista intitulou-se "este aflito" que clamou a Deus em sua necessidade, "e o Senhor o ouviu, e o livrou de todas as suas tribulações".  O "aflito" (homem pobre) no Velho Testamento é aquele que está sofrendo e não tem capacidade de salvar-se por si mesmo e que, por isso, busca a salvação de Deus, reconhecendo que não tem direito à mesma. Esta espécie de pobreza espiritual foi especialmente elogiada em Isaías. São "os aflitos e necessitados", que "buscam águas, e não as há", cuja "língua se seca de sede", aos quais Deus promete abrir "rios nos altos desnudos, fontes no meio dos vales" e tornar "o deserto em açudes de águas, e a terra seca em mananciais".  O "pobre" também foi descrito como "o contrito e abatido de espírito",  para quem Deus olha (embora seja "o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo"), e com quem se deleita em habitar.  É para esse que o ungido do Senhor proclamaria as boas novas da salvação, uma profecia que Jesus conscientemente cumpriu na sinagoga de Nazaré: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu, para pregar boas-novas aos quebrantados."  Mais ainda, os ricos inclinavam-se a transigir com o paganismo que os rodeava; eram os pobres que permaneciam fiéis a Deus. Por isso, a riqueza e o mundanismo, bem como a pobreza e a piedade, andavam juntas.

Assim, ser "humilde (pobre) de espírito" é reconhecer nossa pobreza espiritual ou, falando claramente, a nossa falência espiritual diante de Deus, pois somos pecadores, sob a santa ira de Deus, e nada merecemos além do juízo de Deus. Nada temos a oferecer, nada a reivindicar, nada com que comprar o favor dos céus.

"Nada em minhas mãos eu trago, Simplesmente à tua cruz me apego; Nu, espero que me vistas; Desamparado, aguardo a tua graça; Mau, à tua fonte corro; Lava-me, Salvador, ou morro."
Esta é a linguagem do pobre (humilde) de espírito. Nosso lugar é ao lado do publicano da parábola de Jesus, clamando com os olhos baixos: "Deus, tem misericórdia de mim, pecador!" Como Calvino escreveu: "Só aquele que, em si mesmo, foi reduzido a nada, e repousa na misericórdia de Deus, é pobre de espírito."

Esses, e tão somente esses, recebem o reino de Deus. Pois o reino de Deus que produz salvação é um dom tão absolutamente de graça quanto imerecido. Tem de ser aceito com a dependente humildade de uma criancinha. Assim, bem no começo do Sermão do Monte, Jesus contradisse todos os juízos humanos e todas as expectativas nacionalistas do reino de Deus. O reino é concedido ao pobre, não ao rico; ao frágil, não ao poderoso; às criancinhas bastante humildes para aceitá-lo, não aos soldados que se vangloriam de poder obtê-lo através de sua própria bravura. Nos tempos de nosso Senhor, quem entrou no reino não foram os fariseus, que se consideravam ricos, tão ricos em méritos que agradeciam a Deus por seus predicados: nem os zelotes, que sonhavam com o estabelecimento do reino com sangue e espada; mas foram os publicanos e as prostitutas, o refugo da sociedade humana, que sabiam que eram tão pobres que nada tinham para oferecer nem para receber. Tudo o que podiam fazer era clamar pela misericórdia de Deus; ele ouviu o seu clamor.

Talvez o melhor exemplo desta mesma verdade seja a igreja nominal de Laodicéia, à qual João recebeu ordem de enviar uma carta do Cristo glorificado. Ele citou as complacentes palavras dela, e acrescentou o seu próprio comentário: "Pois dizes: Estou rico e abastado, e não preciso de cousa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu."  Esta igreja visível, apesar de toda a sua profissão cristã, não era de modo algum verdadeiramente cristã. Auto-satisfeita e superficial, era composta (de acordo com Jesus) de cegos e mendigos nus. Mas a tragédia era que não o admitiam. Eram ricos, não pobres, de espírito.

Ainda hoje, a condição indispensável para se receber o reino de Deus é o reconhecimento de nossa pobreza espiritual. Deus continua despedindo vazios os ricos.  Como disse C. H. Spurgeon: "Para subirmos no reino é preciso rebaixarmo-nos em nós mesmos."

Fonte: [John Stott]

16 de mai. de 2011

Romanos – Livro de Riquezas – J. I. Packer


O que você procura na Bíblia? O homem sábio tem os olhos abertos para diversas coisas, e Romanos é supremo em todas.

É doutrina — verdade sobre Deus, ensinada por Deus — que você está buscando? Caso seja, descobrirá que Romanos apresenta todos os temas integrados: Deus, ser humano, pecado, lei, julgamento, fé, obras, graça, criação, redenção, justificação, santificação, o plano da salvação, eleição, reprovação, a pessoa e a obra de Cristo, a obra do Espírito, a esperança cristã, a natureza da Igreja, o lugar dos judeus e dos gentios no propósito divino, a filosofia da Igreja e a história universal, o significado e a mensagem do Antigo Testamento, o significado do batismo, os princípios de piedade e ética, os deveres do cidadão cristão etc!

Entretanto, a pessoa sábia também lê a Bíblia como o livro da vida, mostrando mediante exposição e exemplo que significa servir a Deus e não servi-lo, encontrá-lo e perdê-lo na experiência humana real. O que Romanos tem para oferecer aqui? A resposta é: a mais completa representação da vida de pecado e da vida de graça, e a mais profunda análise da estrada da fé apresentada pela Bíblia (sobre o pecado, v. caps. 1 a 3; 5 a 7; 9; sobre a graça, 3 a 15; sobre a fé, 4,10 e 14).

Outro modo de ler a Bíblia, muito recomendado atualmente por professores, é tê-la como livro da igreja, que expressa a fé concedida por Deus e a compreensão recíproca existente na comunhão dos fiéis. Deste ponto de vista, Romanos, justamente por ser a declaração clássica do Evangelho pelo qual a Igreja vive, é também a narrativa clássica da identidade da Igreja. O que é a Igreja? É a verdadeira semente do fiel Abraão, judeus e não-judeus, escolhidos por Deus, justificados pela fé e libertados do pecado para a nova vida de retidão pessoal e ministério mútuo. É a família do Pai celestial amoroso vivendo na esperança de herdar toda sua fortuna. É a comunidade da ressurreição, na qual os poderes da morte histórica de Cristo e sua presente vida celestial já agem. Em nenhum outro lugar isto é apresentado tão completamente como em Romanos.

A pessoa sábia também lê a Bíblia como carta pessoal de Deus a cada filho espiritual e, portanto, destinada a ele como para os outros. Leia Romanos desse modo e você descobrirá que essa carta tem uma força ímpar para sondar e tratar de coisas tão arraigadas em você que normalmente não se lembra delas: hábitos e atitudes pecaminosos; instinto para a hipocrisia; farisaísmo natural e autoconfiança; descrença constante; frivolidade moral e superficialidade no arrependimento; indiferença, mundanismo, timidez, desânimo; convencimento espiritual e insensibilidade.

Você também descobrirá que esta carta perturbadora tem o poder sem par de despertar alegria, segurança, ousadia, liberdade e espírito ardoroso que Deus requer e dá a quem o ama. Diz-se de Jonathan Edwards que sua doutrina era aplicação e que sua aplicação era doutrina. Romanos é exatamente assim.

11 de mai. de 2011

Submeta-se – John MacArthur


A salvação não pára aqui. A submissão é outro elemento da conversão genuína. O convite de Jesus não termina com "eu vos aliviarei". Ele continua, dizendo: "Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (v. 29, 30). A chamada para a rendição ao senhorio de Jesus é parte e uma parcela do seu convite à salvação. Os que não desejam tomar o seu jugo não podem entrar no descanso salvador que Ele oferece.

Os ouvintes de Jesus compreendiam que o jugo era um símbolo de submissão. Em Israel os jugos eram feitos de madeira, talhados cuidadosamente pela mão do carpinteiro para adaptarem-se ao pescoço dos animais que deveriam usá-los. Sem dúvida, Jesus fez muitos jugos quando jovem, na carpintaria de José, em Nazaré. Esta era uma ilustração perfeita para a salvação. O jugo usado pelo animal para puxar uma carga era utilizado pelo condutor para dirigir o animal.

O jugo também significava discipulado. Quando o Senhor acrescentou a expressão "e aprendei de mim", a figura foi bem clara para os ouvintes judeus. Nos escritos antigos, quando um aluno se submetia a um professor, dizia-se que ele tomava o jugo do professor. Um autor registra este provérbio: "Coloque o seu pescoço sob o jugo e deixe que a sua alma receba instrução''.

Os rabinos falavam do jugo da instrução, do jugo da Torah, e do jugo da lei.

O jugo também envolve obediência. Assim, o convite de Jesus aos pecadores, "tomai sobre vós o meu jugo", depõe contra a noção de que é possível receber a Cristo como Salvador, mas não como Senhor. Jesus não convida as pessoas a virem, se não querem tomar o seu jugo e submeter-se a Ele. A salvação ver¬dadeira ocorre quando um pecador em desespero dá as costas ao seu pecado e vai a Jesus disposto a que Ele assuma o controle de tudo.

A salvação é pela graça e nada tem a ver com obras humanas. Mas a única reação possível à graça de Deus é um humilde quebrantamento, que leva o pecador a voltar-se da sua velha vida para Cristo. A evidência de uma tal volta é o desejo de submeter--se e obedecer. Se permanecerem intocadas a desobediência e a rebeldia, haverá razão para se duvidar da realidade da fé que tem uma pessoa.

O jugo da lei, o jugo dos esforços humanos, o jugo das obras e o jugo do pecado, todos são pesados, irritantes e exasperantes. Representam fardos enormes e insuportáveis, carregados na carne. Levam ao desespero, frustração e ansiedade. Jesus oferece um jugo que podemos carregar, e também dá-nos as forças para fazê-lo (cf. Fp 4.13). Aí há descanso verdadeiro.

O jugo que Ele oferece é suave e o seu fardo é leve, porque Ele é manso e humilde de coração. Ao contrário dos escribas e fariseus, Ele não deseja oprimir-nos. Ele não quer jogar sobre nós cargas que não podemos carregar, e nem está tentando mostrar-nos como é difícil ser justo. Ele é manso. Ele é compassivo. E dá-nos um fardo leve para carregar. A obediência, sob o seu jugo, é uma alegria. É quando desobedecemos que o jugo esfola o nosso pescoço.

O jugo da submissão a Jesus não é doloroso, é feliz. Sig¬nifica estar livre da culpa e do peso do pecado — "descanso para as vossas almas". Este é um eco de Jeremias 6.16, onde o profeta diz: "Ponde-vos à margem no caminho e vede, perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andai por ele e achareis descanso para as vossas almas; mas eles dizem: Não andaremos".

Jesus recebeu uma resposta idêntica. Acontecimentos sub-seqüentes em seu ministério mostram que o ódio contra Cristo só aumentou — ao ponto de a multidão, rejeitando-O, chegar a crucificá-Lo. Seu jugo era suave, mas, para corações pecaminosos, rebeldes, teimosos e carregados pelo pecado, a exigência de ir a Ele era grande demais. O convite foi desprezado. A sua salvação foi rejeitada. Os homens amaram mais as trevas do seu próprio pecado do que o fulgor da glória de Cristo. E assim, por sua rejeição incrédula ao senhorio dEle, condenaram-se a si mesmos.



O amor é a suprema graça cristã - John Stott



"O fruto do Espírito é amor".  Na verdade Paulo menciona um conjunto de nove qualidades que, juntas, ele chama de "fruto" do Espírito; o amor, porém, tem o lugar de honra. Hoje em dia nós ouvimos falar muito acerca do Espírito Santo (ele já não é mais a pessoa "negligenciada" da trindade) e muita gente diz ter experimentado manifestações espetaculares do seu poder. No entanto, o primeiro fruto da sua presença em nós não é o poder, mas o amor.


E salutar perguntarmos a nós mesmos: qual é a principal marca distintiva de um cristão? Qual é o símbolo que comprova a autenticidade dos filhos de Deus? A resposta varia de pessoa para pessoa.

Uns dizem que o que distingue o cristão verdadeiro é a verdade, a ortodoxia, a convicção certa, a fidelidade às doutrinas da Escritura, aos Credos, e às Confissões da Reforma. E está certo. A verdade é sagrada. A sã doutrina é vital para a saúde da igreja. Nós somos exortados a "combater o bom combate da fé",  a "guardar o depósito" da religião revelada,  a "permanecer firmes e guardar as tradições que nos foram ensinadas",  e a "batalhar diligentemente pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos".  Nunca devemos esquecer estas solenes advertências. Entretanto, "Ainda que... conheça todos os mistérios e toda a ciência... se não tiver amor, nada serei".  Além disso, "o saber ensoberbece, mas o amor edifica".  Portanto, o amor é maior do que o conhecimento.

Como disse Lutero, a justificação pela fé é "o principal artigo de toda a doutrina cristã" que "produz cristãos de verdade".  E Cranmer acrescentou a contrapartida negativa: "Esta (se. doutrina), quem quer que a negue não pode ser considerado um verdadeiro cristão".  Ou, citando uma declaração evangélica moderna, a justificação pela fé é "o coração e o cerne, o paradigma e a essência de toda a economia da graça salvadora de Deus".  Eu concordo. Sola fide, "somente pela fé", que foi a bandeira da Reforma, deve ser também a nossa bandeira. Apesar disso, "ainda que eu tenha tamanha fé ao ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei".  O grande apóstolo da fé deixa claro que o amor é maior do que a fé.

Um terceiro grupo enfatiza que a marca distintiva do cristão é a experiência religiosa — geralmente uma espécie de experiência viva e específica que eles acreditam deva se reproduzir em todo mundo. E este grupo também tem razão — até certo ponto. E essencial ter um relacionamento íntimo e pessoal com Deus através de Jesus Cristo. O testemunho do Espírito em nós é real. Na verdade existe essa "alegria indizível e cheia de glória",  e, comparadas à "sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor", todas as outras coisas são de fato uma perda.  No entanto, "Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos" e "ainda que eu tenha o dom de profetizar" (reivindicando, assim, uma comunicação direta com Deus), "se não tiver amor, nada serei".  Assim, o amor é maior do que a experiência.

Um quarto e último grupo — por sinal, gente de natureza muito prática — enfatiza o serviço, especialmente o serviço aos pobres, como sendo a marca distintiva do povo de Deus. Mais uma vez, está certíssimo! Sem boas obras, a fé é morta. Se o próprio Jesus colocou-se ao lado dos pobres, seus discípulos também devem fazê-lo. Se vemos pessoas em necessidade e temos condições de ajudá-las, mas não nos apiedamos delas, como é que podemos dizer que o amor de Deus está em nós?  Graças a Deus pela ênfase cada vez maior na sua "opção preferencial" ou interesse prioritário pelos pobres. Contudo, "ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres, e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado" (quem sabe em um gesto heróico de sacrifício), "se não tiver amor, nada disso me aproveitará".  Assim, o amor é maior do que o serviço.

Resumindo, o conhecimento é vital, a fé é indispensável, a experiência religiosa é necessária e o serviço é essencial; Paulo, contudo, dá precedência ao amor. O amor é a coisa mais importante do mundo, pois "Deus é amor"  no mais íntimo do seu ser. Pai, Filho e Espirito estão eternamente unidos um ao outro em amor que se doa pelo outro. Portanto, aquele que é amor e que derramou o seu amor sobre nós convida-nos a devolver esse amor, amando a ele e também uns aos outros. "Nós amamos porque ele nos amou primeiro."  O amor é a marca principal, o selo de excelência, o símbolo supremo que distingue o povo de Deus. Nada pode desarraigá-lo nem substituí-lo. O amor está acima de tudo.

Em segundo lugar, o amor traz alegria e paz, pois "o fruto do Espírito é amor, alegria, paz". A sequência, aqui, é deveras significativa.

Os seres humanos sempre viveram em busca de alegria e paz, se bem que geralmente se empregue a palavra "felicidade", mais secular. Thomas Jefferson, antes de tornar-se o terceiro Presidente dos Estados Unidos, tinha tanta convicção de que "a busca da felicidade" era um direito humano inalienável, que ele a incluiu na Declaração da Independência, chamando-a de "uma verdade auto-evidente".

Os cristãos, porém, sentem-se na obrigação de acrescentar que quem procura a felicidade nunca a encontrará. A alegria e a paz são bênçãos extremamente ilusórias. A felicidade é um fogo-fátuo, um fantasma. Mesmo quando nós estendemos a mão para agarrá-la, ela se desvanece no ar. Acontece que a alegria e a paz não são alvos que se possam perseguir; elas são subprodutos do amor. Elas nos são concedidas por Deus, não quando nós as buscamos, mas quando buscamos a  ele e aos outros em amor.

Urge que testifiquemos dessa verdade ao mundo contemporâneo, em que a "auto-realização" é o desejo supremo e o "movimento do potencial humano" continua a conquistar espaço. Em seu perspicaz livro A Psicologia como Religião,  cujo subtítulo é O Culto à Auto-adoração, Dr. Paul Vitz, da Universidade de Nova York, começa analisando os quatro principais "teóricos do ego" da sua década: Erich Fromm (que argumentava que o vício é indiferente ao ego das pessoas e que a virtude consiste na auto-afirmação), Carl Rogers (cuja terapia concentrada no cliente objetivava ajudá-lo a tornar-se uma pessoa autônoma e integrada através da "auto-estima" incondicional), Abraham Maslow (que enfatizava a "auto-realização" criativa) e Rollo May (que, influenciado pelo existencialismo, enfatizava a decisão e o comprometimento como o caminho para ser alguém). Estes quatro escritores, que atingiram o seu ápice nos anos setenta, eram todos humanistas seculares confessos. Eles acreditavam nos seres humanos, não em Deus. Foram muito divulgados e sua ênfase básica na auto-estima e na auto-realização parece ter-se infiltrado em quase todos os segmentos da sociedade. Dr. David Wells comenta que "em meados da década de oitenta, um total de 87,5% de tudo o que se publicou nos Estados Unidos estava a serviço dos interesses e apetites do movimento do eu".

Existe, na verdade, uma auto-afirmação que é certa e saudável e que se constitui em equilíbrio para a abnegação para a qual Jesus conclamou seus discípulos. No entanto, ela não é a afirmação desqualificada e acrítica do eu, pois é fortemente caracterizada pelo reconhecimento de nossa própria pecaminosidade. Os cristãos só podem afirmar aqueles aspectos do eu que derivam do fato de termos sido criados à imagem de Deus (por exemplo, nossa racionalidade, responsabilidade moral e capacidade para amar); ao mesmo tempo, eles negam (ou seja, rejeitam e repudiam) todo e qualquer aspecto do eu que derive da queda e da nossa própria condição de seres caídos (por exemplo, nosso egoísmo, avareza, malícia, hipocrisia e orgulho). Estas formas cristãs de auto-afirmação e abnegação estão muito longe de ser expressões de uma preocupação com nós mesmos, e muito menos um endeusamento próprio. Pelo contrário, o seu alvo não é o eu, mas sim, Deus. Elas fazem parte da nossa adoração a Deus como nosso Criador e Juiz.

Certos autores cristãos, porém, tentam argumentar que o próprio cristianismo consiste de auto-estima; que nós necessitamos deixar de preocupar-nos com pecado, culpa, juízo e expiação; que, ao invés disso, deveríamos apresentar a salvação como a descoberta do eu; e que é isso que Jesus queria dizer quando endossou o segundo mandamento, indicando com isso que deveríamos amar a nós mesmos assim como amamos o nosso próximo. Mas na realidade não é bem assim. Amor próprio, na Escritura, é sinônimo de pecado e não o caminho para a liberdade. Além disso, amor-agape significa o sacrifício de alguém em favor de outros. Por sua própria natureza, ele não pode ser voltado para si mesmo. Como podemos sacrificar a nós mesmos a fim de servir a nós mesmos? E impossível. A própria idéia não tem o mínimo sentido. O caminho de Jesus é o oposto. Ele nos ensinou o grande paradoxo de que só quando perdemos a nós mesmos é que nos encontramos, só quando morremos para nós mesmos é que aprendemos a viver e só servindo aos outros é que ficamos livres. Ou, voltando a Paulo em Gálatas, somente quando amamos é que vêm a alegria e a paz. A busca autoconsciente da felicidade acaba sempre em fracasso. Mas quando nos esquecemos de nós mesmos em serviço de amor abnegado, então a alegria e a paz inundam a nossa vida em forma de bênçãos abundantes e   inesperadas.

Fonte: [John Stott]
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