A Humanidade de Cristo
Desde o momento da concepção virginal de Jesus no ventre de Maria, a sua natureza divina foi permanentemente unida à sua natureza humana em uma e a mesma pessoa, o agora encarnado Filho de Deus. A evidência bíblica para a humanidade de Jesus é forte, mostrando-nos que ele possuía um corpo humano, uma mente humana, e experimentou a tentação humana.
Jesus teve um nascimento humano e uma genealogia humana: ”vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gálatas 4.4-5).
Jesus possuía um corpo humano que experimentou crescimento (Lucas 2.40, 52), assim como suscetibilidades físicas, a exemplo de fome (Mateus 4.2), sede (João 19.28), cansaço (João 4.6) e morte (Lucas 23.46).
Como um homem velho, o apóstolo João ainda estava maravilhado ante o fato de que a ele fora dado experimentar Deus o Filho em carne. Como uma criança exultante, ele continua repetindo para si mesmo à medida que descreve a encarnação:
O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada), o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. (João 1.1-3)
João sabia acerca da encarnação há mais de 50 anos quando escreve essa carta, mas, ainda assim, ele escreve com maravilhado assombro à medida que reflete sobre o caminhar nas praias da Galileia, pescar, comer, rir e ter os seus pés lavados por um carpinteiro que era Deus em carne!
Jesus continua a ter um corpo físico em seu estado ressurreto, e ele esforçou-se sobremaneira para assegurar que os seus discípulos entenderiam isso: “Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lucas 24.39; cf. Lucas 24.42; João 20.17, 25-27). Após a sua ressurreição, Jesus voltou para o Pai, ascendendo em seu corpo divinamente reanimado perante os olhos maravilhados dos seus discípulos, assim testificando a sua plena e contínua humanidade física (Lucas 24.50-51; Atos 1.9-11). A ascensão tem sido incluída em cada credo relevante da igreja porque ela ensina a completa e permanente humanidade de Jesus como o único mediador entre Deus e o homem.
Jesus tinha uma mente humana, a qual, segundo a vontade do Pai, possuía limitações em conhecimento: “Mas a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o Filho, senão o Pai” (Marcos 13.32). A sua mente humana crescia e amadurecia em sabedoria (Lucas 2.52), e ele até mesmo “aprendeu a obediência” (Hebreus 5.8-9). Dizer que Jesus “aprendeu a obediência” não significa que ele se moveu da desobediência para a obediência, mas que ele cresceu em sua capacidade de obedecer à medida que suportou os sofrimentos.
Jesus experimentou tentação humana: “Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hebreus 4.15; cf. Lucas 4.1-2). Embora Jesus tenha experimentado toda sorte de tentação humana, ele nunca sucumbiu ao pecado (João 8.29, 46; 15.10; 2Coríntios 5.21; Hebreus 7.26; 1Pedro 2.22; 1João 3.5).
Jesus praticava disciplinas espirituais. Ele regularmente orava com paixão (Marcos 14.36; Lucas 10.21; Hebreus 5.7), adorava nos cultos na sinagoga (Lucas 4.16), lia e memorizava a Escritura (Mateus 4.4-10), praticava a disciplina da solidão (Marcos 1.35; 6.46), observava o Shabbath (Lucas 4.16), obedecia às leis cerimoniais do AT (João 8.29, 46; 15.10; 2Coríntios 5.21; Hebreus 4.15), e recebia a plenitude do Espírito (Lucas 3.22; 4.1). Essas atividades religiosas eram desempenhadas com diligência (Hebreus 5.7) e habitualidade (Lucas 4.16) como os meios de um processo de crescimento espiritual verdadeiramente humano.
Dada a natureza divina de Jesus, a normalidade da maior parte de sua vida terrena é surpreendente. Aparentemente, Jesus passou os primeiros 30 anos de sua vida em relativa obscuridade, fazendo trabalhos manuais, cuidando de sua família e sendo fiel em qualquer coisa que o seu Pai o chamasse a fazer. Em seu ministério público, Jesus operou sinais miraculosos e dispensou ensino autoritativo que poderia vir apenas de Deus, e isso foi chocantemente ofensivo para as pessoas de sua cidade natal, as quais viam a simplicidade e humildade de Jesus como incompatíveis com a sabedoria e o poder messiânicos:
“E, chegando à sua terra, ensinava-os na sinagoga, de tal sorte que se maravilhavam e diziam: Donde lhe vêm esta sabedoria e estes poderes miraculosos? Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos, Tiago, José, Simão e Judas? Não vivem entre nós todas as suas irmãs? Donde lhe vem, pois, tudo isto? E escandalizavam-se nele. Jesus, porém, lhes disse: Não há profeta sem honra, senão na sua terra e na sua casa” (Mt 13.54-57).
Jesus não deixou de ser plenamente humano após a ressurreição. Ele será homem eternamente, à medida que ele representa a humanidade redimida por toda a eternidade (Atos 1.11; 9.5; 1Coríntios 9.1; 15.8; 1Timóteo 2.5; Hebreus 7.25; Apocalipse 1.13).
Implicações da Humanidade de Cristo
É evidente que os homens têm sido continuamente pecaminosos desde a queda. Portanto, é fácil assumir que ser pecaminoso é uma parte essencial e necessária de ser um “ser humano”. Mas isso não é verdade. Jesus era humano e, ainda assim, ele não pecou. O fato de que ele se tornou homem revela a natureza da verdadeira humanidade. A sua humanidade nos dá um vislumbre de como seria a nossa humanidade, caso ela não houvesse sido manchada pelo pecado. Ele nos mostra que o problema com a humanidade não está em sermos humanos, mas em sermos caídos. A natureza humana de Jesus mostra o potencial da humanidade tal como Deus intencionou. Essa demonstração da humanidade sem pecado reafirma a declaração de Deus de que a criação em todas as suas dimensões originais (material e espiritual), incluindo a humanidade, é, por definição divina, muito boa (Gênesis 1.31).
A humanidade de Jesus habilita a sua obediência representativa em nosso favor. “Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos” (Romanos 5.18-19). Porque Jesus é verdadeiramente humano, a sua vida perfeita de obediência e triunfo sobre todas as tentações – culminando em sua perfeita morte substitutiva – pode tomar o lugar da rebelião e do fracasso humanos.
Por causa da humanidade de Jesus, ele pode verdadeiramente ser um sacrifício substitutivo pela raça humana. “Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo” (Hebreus 2.17). Um homem morreu na cruz quando Jesus morreu, e a sua morte verdadeiramente é a expiação pelo pecado de seres humanos, de cuja natureza ele participou.
A humanidade de Jesus faz dele o único mediador eficaz entre Deus e o homem: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1Timóteo 2.5). As naturezas divina e humana de Jesus o habilitam a se colocar na brecha entre homens caídos e um Deus santo.
A humanidade de Jesus o habilitou a tornar-se um Sumo Sacerdote empático, que experiencialmente entende a difícil condição da humanidade em um mundo caído: “Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna” (Hebreus 4.15-16; cf. Hebreus 2.18).
A humanidade de Jesus significa que ele é um verdadeiro exemplo e modelo para o caráter e a conduta dos homens. “Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos” (1Pedro 2.21; cf. 1João 2.6).
Erros Históricos Acerca da Humanidade de Cristo
Uma heresia do segundo século chamada docetismo negava a verdadeira humanidade de Cristo. O docetismo (do verbo grego dokeō, “aparentar, parecer-se com”) baseava-se nas pressuposições do gnosticismo, o qual sustentava uma dicotomia radical entre os reinos físico e espiritual, bem como uma visão muito negativa da ordem física como sem valor e desprezível. Essas crenças conduziram a uma negação de que houvesse qualquer substância física real na humanidade de Jesus. A cristologia docética ensinava que a humanidade física de Jesus era apenas uma ilusão; uma de suas afirmações era que “quando Jesus caminhava na praia, ele não deixava pegadas”. O docetismo tem efeitos devastadores sobre uma correta visão de Cristo, da salvação, da revelação e da criação. Nessa perspectiva, Cristo não representa a humanidade em sua obra expiatória, tampouco nos revela Deus em forma humana. Tal ensino também destrói uma visão biblicamente positiva da criação, conduzindo a uma perspectiva negativa ou indiferente acerca da vida no corpo. O NT refuta as sementes do que viria a se tornar o gnosticismo, com a sua visão docética de Cristo. João condena severamente qualquer visão que negue a humanidade plena, física de Cristo: “Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus” (1João 4.2).
O apolinarianismo foi outra heresia primitiva que negava a humanidade plena de Cristo. Apolinário (século IV d.C.) acreditava que os seres humanos possuíam corpos, almas animais e espíritos racionais. Ele ensinava que o logos divino em Cristo tomou o lugar do espírito racional presente nos homens. Essa visão foi refutada de modo bem-sucedido no quarto século por Gregório de Nisa e Atanásio, bem como rejeitada no Concílio de Constantinopla em 381 d.C.. O concílio demonstrou que se Jesus fosse apenas, digamos, dois terços humanos, a plena redenção de pessoas plenamente humanas não seria possível. Na citação célebre de Gregório, “aquilo que Ele não assumiu Ele não curou; mas aquilo que está unido à Sua Divindade também está a salvo”. Jesus deveria assumir cada elemento da natureza humana a fim de redimir completamente a humanidade.
Essas duas heresias ensinam os crentes a apreciarem a importância da humanidade de Cristo, bem como proporcionam uma lição acerca do método teológico. Ambas essas visões se aproximam da Bíblia com pressuposições acerca da humanidade e conformam o ensino bíblico a elas, ao invés de permitirem que a Escritura governe todas as coisas, incluindo as pressuposições. O método teológico evangélico deve sempre permitir que o ensino da Escritura molde as conclusões teológicas, ao invés de distorcer o seu ensino com base em assunções estranhas a ela. Inúmeros erros teológicos tem ocorrido pela imposição de ideias humanas à Bíblia.
Website: thegospelcoalition.org. Original: Biblical Doctrine: The Person of Christ. © 2001–2012 Crossway. All rights reservedTradução: www.voltemosaoevangelho.com.Permissões: Você está autorizado e incentivado a reproduzir e distribuir este material em qualquer formato, desde que adicione as informações supracitadas, não altere o conteúdo original e não o utilize para fins comerciais.
Via: [Voltemos ao Evangelho]
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