16 de jan. de 2012

Corações Cativos, Igreja Cativa


Por R. C. Sproul


Durante a Reforma Protestante, Martinho Lutero escreveu um pequeno livreto intitulado “O Cativeiro Babilônico Da Igreja”. Nele, Lutero comparou o regime opressor de Roma no século XVI ao suplício de Israel, enquanto era mantido cativo às margens dos rios da Babilônia.

Eu tenho freqüentemente me perguntado como Lutero se posicionaria em nossa presente era e no estado em que a igreja se encontra nos dias de hoje. Eu suspeito que ele escreveria para nosso tempo seu livro, sob o título "O Cativeiro Pelagiano da Igreja". Eu tenho tal suspeita pelo fato de que o próprio Lutero tenha considerado precisamente este como o livro mais importante que já redigiu, sua magnum opus, “A Escravidão da Vontade” (De Servo Arbítrio).

Penso também que Lutero enxergaria a grande ameaça para a igreja de hoje devido ao Pelagianismo, em razão do que se desenrolou depois da Reforma. Historiadores tem dito que apesar de Lutero ter vencido a batalha contra Erasmus no século XVI, ele a perdeu no século XVII e foi afinal demolido no século XVIII, graças às conquistas obtidas pelo Pelagianismo e pelo Iluminismo. Ele veria a igreja de hoje enlaçada pelo Pelagianismo, tendo assim este inimigo da fé conseguido estabelecer uma fortaleza sobre nós.

O Pelagianismo em sua forma pura foi pela primeira vez articulado pelo homem cujo nome cunhou seu ensino, um monge bretão do século Quarto. Pelágio envolveu-se em um feroz debate com Santo Agostinho, um debate provocado pela reação do monge à oração de Agostinho: "Ordena aquilo que Tu desejas, e conceda aquilo que Tu ordenas". Pelágio insistia que uma obrigação moral necessariamente implicava em capacidade moral. Se Deus exigia dos homens que estes vivessem vidas perfeitas então estes homens deveriam ter a capacidade de viver tais vidas perfeitas. Isto levou Pelágio a sua completa negação do pecado original 1. Ele insistia que a queda de Adão tinha afetado somente o homem Adão; não haveria a realidade da natureza humana caída e herdada que afligiria a humanidade. Além disso, refutava a idéia da necessidade da graça como necessária para a salvação; afirmava que o homem seria capaz de ser salvo por suas obras sem a necessidade de assistência da graça. O pensamento de Pelágio foi: a graça pode facilitar a obediência, mas não seria uma condição necessária para tal.

Agostinho triunfou em sua luta contra Pelágio, cujas visões foram conseqüentemente condenadas pela igreja. Ao condenar o Pelagianismo como heresia, a igreja veementemente confirmou a doutrina do pecado original. Na visão de Agostinho, isto sedimentou e alicerçou a noção de que apesar do homem caído ainda possuir um vontade livre no sentido que ele retém a capacidade de escolher, sua vontade é decaída e escravizada pelo pecado a tal ponto, em tamanha magnitude e extensão, que o homem não possui liberdade moral. O homem não pode não pecar.

Depois do encerramento do conflito, visões modificadas de Pelagianismo voltaram a assombrar a igreja. Essas visões foram aglutinadas sob o nome de semi-Pelagianismo. O semi-Pelagianismo admitiu a Queda como real e uma real transferência do Pecado Original para a descendência de Adão. O homem está arruinado e caído, e precisa da graça a fim de que seja salvo. Contudo, esta visão insiste que nós não estamos tão decaídos a ponto de nos encontrarmos totalmente escravizados pelo pecado ou totalmente depravados em nossa natureza. Uma ilha de justiça permanece no homem decaído por meio da qual tal pessoa ainda possui poder moral para inclinar-se, por si mesmo, sem a intervenção da graça operativa, em direção às coisas de Deus.

Apesar da igreja antiga ter condenado o semi-Pelagianismo tão vigorosamente quanto condenou o próprio Pelagianismo, ele de fato nunca morreu. No século dezesseis os magistrados reformadores ficaram convencidos que Roma havia se degenerado do puro Agostinianismo e abraçado o semi-Pelagianismo. Não é um detalhe histórico insignificante mencionar que o próprio Lutero tenha sido um monge da Ordem Agostiniana. Lutero viu em sua luta contra Erasmus e Roma, um retorno ao conflito titânico entre Agostinho e Pelágio.

No século dezoito, o pensamento Reformado foi desafiado pelo surgimento do Arminianismo, uma nova forma de semi-Pelagianismo. O Arminianismo conseguiu capturar o pensamento de proeminentes homens, como por exemplo John Wesley. A cisão doutrinária entre Wesley e George Whitefield focava-se neste aspecto. Whitefield enfileirou-se então para o lado de Jonathan Edwards na defesa do Agostinianismo clássico durante o "Grande Avivamento" norte-americano.

O século XIX testemunhou o reavivamento do Pelagianismo puro através dos ensinamentos e da pregação de Charles Finney. Finney não dosou palavras acerca de seu Pelagianismo escancarado. Finney rejeitou a doutrina do Pecado Original (junto com a visão ortodoxa da Expiação e a doutrina da Justificação Somente pela Fé). Mas a tremenda bem-sucedida metodologia evangelística de Finney de tal forma marcou e envolveu seu nome, que ele se tornou um modelo reverenciado pelos modernos evangelistas e ainda hoje comumente é considerado um herói da Fé Evangélica, a despeito de sua completa rejeição à própria doutrina evangélica.

Apesar da Fé Evangélica americana não ter abraçado o Pelagianismo puro e direto de Finney (fato que coube aos Liberais o fazerem), tal pensamento infectou profundamente o meio evangélico por meio do pensamento e da teologia semi-Pelagiana,a tal ponto que o semi-Pelagianismo é percebido ostensivamente nos dias modernos de forma aguda e profunda, em diversas camadas do pensamento teológico evangélico. Apesar da maioria dos evangélicos não hesitarem em afirmar que o homem caiu, poucos abraçam a doutrina reformada da Total Depravação.

Trinta anos atrás eu estava ensinando Teologia em uma faculdade evangélica que era pesadamente influenciada pelo semi-Pelagianismo. Eu estava trabalhando sobre os 5 pontos do Calvinismo usando o acróstico TULIP com uma classe com cerca de 30 alunos. Após apresentar uma extensa e detalhada exposição da doutrina da Total Depravação, eu perguntei à classe quantos deles estavam convencidos acerca da doutrina. Todos os 30 levantaram as mãos.

Eu sorri e disse: “Veremos...”

Eu escrevi o número 30 no canto esquerdo do quadro-negro. Enquanto eu prosseguia com a doutrina da eleição incondicional, muitos dos estudantes então começaram a pular e reagir. Fui subtraindo do número original 30 os que iam manifestando sua insatisfação e desacordo. Quando atingi a doutrina da Expiação Limitada, o número tinha caído de trinta para três.

Então eu tentei mostrar aos estudantes que se eles realmente abraçassem a doutrina da Total Depravação, então as outras doutrinas descritas nos 5 Pontos deveriam simplesmente na verdade ser consideradas como notas de rodapé. Os alunos logo descobriram que de fato eles realmente não acreditavam na total depravação do homem, no final das contas. Eles acreditavam em depravação, mas não no sentido total. Eles ainda desejavam reter a convicção sobre uma ilha de justiça que não tinha sido afetada pela Queda por meio da qual pecadores poderiam ainda manter uma capacidade moral para se inclinarem por si próprios a Deus. Eles acreditavam, sim, que a fim de ser regenerados, eles precisavam primeiro exercer fé por meio do exercício de suas vontades. Eles não criam que a divina e sobrenatural ação do Espírito Santo seria uma pré-condição necessária para fé.

Os autores da introdução ao ensaio sobre “A Escravidão da Vontade” escreveram:

“Qualquer um que terminar este livro sem ter percebido que a teologia evangélica mantém-se em pé ou cai com a doutrina da Escravidão da Vontade, o leu inutilmente. A doutrina da justificação livre unicamente pela fé, que se tornou o olho do furacão de tamanha controvérsia surgida no período da Reforma Protestante, é considerada com freqüência como o coração da Teologia dos Reformadores, mas isto é dificilmente preciso. A verdade é que o pensamento de tais homens estava realmente concentrado sobre esta contenda...que a completa salvação do pecador tem lugar pela livre e soberana graça unicamente...é pois a nossa salvação completamente da parte de Deus, ou a final de contas depende de algo que depende de nós mesmos? Aqueles que afirmam a segunda opção (os Arminianos o fazem) portanto negam a declarada incapacidade do homem advinda do pecado, e também confirmam que uma forma de semi-Pelagianismo é verdadeiro, de alguma maneira. Não é de se admirar, portanto, que a primitiva teologia Reformada condenou o Arminianismo, como sendo em princípio um retorno a Roma... e uma traição à Reforma... o Arminianismo foi, verdadeiramente, aos olhos dos Reformadores, uma renúncia ao Cristianismo do Novo Testamento em favor do Judaísmo neotestamentário; pelo fato de alguém se garantir a si mesmo por fé, não ser afinal diferente em nada do princípio de se repousar nas suas própria obras, sendo anti-Cristão tanto um pensamento quanto o outro”.

Estas são palavras severas. Verdadeiramente para alguns são até palavras contenciosas. Mas de uma coisa eu estou certo: elas espelham e refletem com precisão os sentimentos de Agostinho e dos Reformadores. A questão da magnitude e extensão do Pecado Original está atrelado inseparavelmente à nossa compreensão da doutrina da Sola Fide. Os Reformadores compreenderam claramente que existe uma imprescindível ligação entre Sola Fide e Sola Gratia. Justificação unicamente pela fé significa pela graça unicamente.

Assim sendo, o semi-Pelagianismo em seu formato Erasmiano cria uma ruptura entre as duas e apaga o fator SOLA do temo Sola Gratia.

NOTAS:
1. Entenda-se pelo termo teológico PECADO ORIGINAL, não o próprio ato de desobediência que Adão e Eva cometeram no jardim, ao comerem do fruto da árvore sobre a qual o Senhor Deus os havia advertido, mas às conseqüências abrangentes deste ato sobre toda a sua posteridade.

Fonte: Josemar Bessa Via: [Ministério Batista Beréia]

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